quinta-feira, 28 de maio de 2009

O Chamado, Parte I

Era mais uma noite comum. Mais uma vez em que ele não conseguira dormir, o que não lhe preocupou. Adorava a noite, parecia haver um entendimento entres os dois que jamais iria encontrar, os dois eram amantes de longa data. A única companhia que jamais lhe abandonava, sempre respondia ao chamado dela, e naquela madrugada não iria ser diferente. Outra madrugada de muitas que já tivera.

Foi até a larga varanda da casa. Sentou-se na beirada, com uma taça numa mão e uma garrafa de vinho na outra. Era tinto como o sangue e as paixões deveriam ser. Deixou a taça e a garrafa no chão, e fechou os olhos para sentir a brisa noturna, respirando bem fundo.

Esse ritual sempre o acalmava, fazia seu coração voltar ao compasso e sua mente parar de trabalhar. Ultimamente se sentia cansado de se preocupar com tudo, precisava de descanso. Então se serviu uma taça bem cheia. E ficou com ela na mão, observando a cor e consistência do líquido. Observava como se nunca tivesse visto uma taça de vinho na vida.

Lembrou do que lera em um livro uma vez: vinho, música e mulheres, os três remédios para as feridas da alma de um homem. “Se fosse assim tão fácil”, pensou ele e tomou o conteúdo da taça de uma vez. Desejando que cada gole levasse consigo as palavras engasgadas que insistiam em ficar na sua garganta. Levara muito tempo para aprender o valor da mentira e da omissão.

Não queria saborear a bebida, procurava pelo estado de liberdade que ela sempre lhe proporcionava. Aquele estado onde o seu corpo e sua mente não querem mais lhe obedecer, estar livre em si mesmo. Dessa forma encheu outra taça de vinho, mas a deixou descansar no chão ao lado da garrafa, enquanto olhava para a rua onde sempre morara.

“Nada está como antes”, falou em um sussurro solitário. Não havia ninguém para ouvi-lo, o que de fato era bom, pois estava cansado de ouvir conselhos e pérola de sabedoria que já estava cansado de saber. Sabia que a função do tempo era mudar as coisas, tudo ia e vinha, nada ficava. Era só o que gostaria de saber, como fazer para que algo ficasse, não só perdurasse, mas simplesmente e realmente permanecesse e continuasse.

Bebeu a outra taça de vinho, em dois goles dessa vez. Não queria cair da beirada, mas isso realmente não seria uma boa idéia? Tentou imaginar o que sentiria quando sua cabeça tocasse o chão, mas resolveu que não era uma idéia lá muito genial pensar nisso enquanto bebia vinho na beirada da varanda de sua casa.

Aquele era seu lugar preferido. Em nenhum outro lugar podia se sentir realmente sozinho e ao mesmo tempo em paz para pensar. Pegou o seu celular e colocou sua banda favorita para tocar, Pearl Jam. A primeira música do disco era mais que apropriada, Presente Tense, digerir o passado ou viver o presente? Era nisso que pensava hoje, no que foi e no que será. Já tinha cumprido mais da metade da receita, vinho e música, mas até agora de nada adiantou, não sentia progresso em sua confusão, as feridas da sua alma ainda sangravam.

Então lhe ocorreu que talvez outra taça de vinho pudesse ser o que faltava, afinal três é sempre melhor, encheu a taça denovo, e bebeu lentamente, gole por gole, enquanto terminava a música em compasso mais agitado que o do começo. Poucas vezes na sua vida parara sozinho em casa para realmente ouvir música, ultimamente tinha feito, sentido e vivido várias coisa novas. Nessa noite por exemplo, era a primeira vez em que bebia sozinho.

E mesmos assim de nada adiantara. Ainda sentia o mesmo amargor em sua garganta à noite e as mesmas cobranças durante o dia. Antes de começar a próxima música, seu telefone tocou com uma nova chamada. O visor indicava que o número de onde originava a ligação não constava de sua agenda, fato que o deixou intrigado. Hesitou por um momento e atendeu.


Continua...

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Tesouro Perdido, Parte II

Muitos leitores vêm me pedindo para dar continuidade a algumas histórias, então atendendo a esses pedidos este post é a continuação do post anterior. Se alguém quiser dar uma sugestão sobre algum post antigo de que gostaria de ver uma continuação ou que seria cabível é só dizer.

Estou de pé na frente da porta. É aqui onde tudo deve terminar, só basta abri-la para cumprir com a minha missão. Mas estou tão cansado que caio de joelhos, usando minha espada como apoio para não cair. Nem parece com arma magnífica que fora a tão poucos dias atrás, está partida. Só lhe restou o cabo e mais alguns centímetros de lâmina.
Sinto o sangue escorrendo pelo meu corpo até minha perna. A armadura que brilhava a luz do sol enquanto cavalgava, agora está amassada, enegrecida e pesa mais que meu corpo. Aperta meu peito e não me deixa respirar. Começo a desprendê-la de mim. Quando emfim a retiro, sinto-me livre, tento respirar fundo. Mas parece que estou respirando fogo em vez de ar.
Meu peito arde, sinto as pontadas dos ferimentos, parece que sinto as garras daquele dragão penetrando novamente na minha carne. Largo minha espada quebrada, de nada mais ela será útil. Me apoio com ambas as mãos no chão e quase bato com a cabeça na porta.
Dei tudo de mim para chegar aqui, e a tudo perdi. Só restou o que me mantém vivo, meu coração, batendo com tanta força que me faz sentir mais dor. A dor, minha velha conhecida, não me deixa esquecê-la. Tão forte é sua presença. Nada consegui na vida sem a companhia dela. E aqui estou eu, tentado dar o ultimo passo, mas a dor não deixa.
Meu sangue se esvai levando junto com ele o que me trouxe até aqui. A cada gota sinto menos, quero menos, anseio menos. As sombras começam a se mover pelos cantos, tentam se aproximar de mim sem que eu perceba. Mas eu as sinto perto. Lembro do frio reconfortante do seu abraço, a promessa de paz de seu toque, mas lembro também do refúgio vazio que elas criam. Onde só há silêncio e escuridão.
Com um impulso empurro meu corpo para trás e estendo minha mão para a maçaneta da porta, e a seguro com força. Mais dor, mais sangue advém do esforço, me puxo em direção a porta e me choco nela, aproveito a chance para descansar, sinto frio, ouço o rastejar das sombras e é nesse momento que giro a maçaneta e caio para dentro do quarto. Eu e o que sobrou de mim adentram.
Estou lá sem espada, sem armadura e sem cavalo. Somente eu e o que sobrou de mim depois da longa viagem, da dura luta e da difícil subida. Estou aqui, e espero que ela me acolha e cure minhas feridas, pois tudo fiz por ela, e agora só desejo a paz de seu amor.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Tesouro Perdido

Só por hoje tenho que ser corajoso, não posso me esconder. Hoje eu serei eu mesmo. Devo ser o que já fui, tenho que reaver meu coração. Procuro pelo meu precioso tesouro que está perdido. Eu sei que ainda está comigo, posso sentir, ela me fez percebe que ainda estava aqui dentro.Preciso encontrá-lo.
Paro e fecho os olhos, tento voltar para casa, voltar para dentro de mim mesmo, posso sentir as sombras que me tomaram. Fecho os olhos buscando o rosto dela, procurando sua voz, sentindo o seu cheiro, só com ela eu posso conseguir, preciso da coragem dela. Ela arriscou tanto por mim, não posso decepcioná-la. Ela precisa de mim.
Ao abrir os olhos, vejo as sombras me abraçando e obscurecendo a minha visão. Estão me levando de volta. Percebo que elas preencheram tudo, não deixando nenhum espaço vazio. Não havia nenhum resquício do que havia antes. Só havia escuridão.
Vejo luz à frente, foi apenas um lampejo fraco, mas sei que estava lá. Me solto do abraço frio que me envolvia e caminho até onde vi luz, caminho vacilante, mas sempre em frente. Dessa vez nenhuma escuridão vai me deter. Caminho até não agüentar mais o cansaço insistente, tento continuar até tropeçar e cair. Sento e com desespero cubro o meu rosto com ambas as mãos. Sinto o calor das lágrimas que escorrem pela minha face. Está tão silêncio que até as ouço quando tocam o chão.
Algo queima em minhas mãos, então as retiro do meu rosto. Ainda estão úmidas das lágrimas. Sinto como se segurasse algo pegajoso nelas, mas que não consigo ver, formo uma concha para segurar com cuidado. Algo pulsa, bem devagar. É quase imperceptível, mas o pulsar se intensifica, seja o que for parece crescer com cada pulsação. Nesse momento um filete de luz atravessa a escuridão, vindo do alto e ilumina minhas mãos.
Lá está ele, o coração perdido e agora encontrado. Ao ser tocado pela luz para de pulsar e de crescer, e vejo que ele fora esculpido a partir de um imenso rubi. A jóia mais linda que eu já vi.
Levanto com o meu tesouro nas mãos. Entendo o que eu tenho de fazer e o deixo cair, se espatifando no chão. Um clarão ofusca meus olhos. Quando volto e enxergar, percebo que consegui tudo de volta, minha espada está em sua bainha, presa à minha cintura. Com ela posso atravessar a cerca de espinhos. Minha armadura totalmente restaurada, brilha como se fosse recém forjada. Vai me proteger do dragão.
Meu coração bate denovo, volto a ser completo. Só assim poderei subir as escadas da torre e chegar até ela. Só assim posso atravessar a porta.
Monto meu cavalo, e parto com pressa. Rezo para não ser tarde demais. Tenho que chegar a tempo.

domingo, 17 de maio de 2009

Ser ou nao ser, será o bastante?

Às vezes ficava tão difícil, pois estava tão cansado de ser ele mesmo. Desejava muito voltar ao momento onde escolheu ser o que era. Precisava saber se seria capaz de repetir a escolha feita. Desejou ser algo que não era.
Ser quem ele é nunca era o bastante, sempre lhe lembravam que faltava algo. Que ainda não bastava. Sentia tanta raiva, principalmente de si mesmo, por ser tão ingênuo em acreditar, em sonhar.
Percebeu que já estava perto da linha que separava o que ele é, o que tinha sido e o que queria ser. Ficou surpreso por ter descoberto o caminho de volta, achou que seria mais difícil voltar até lá.
Havia sombras que o impedia de ver o outro lado. Lembrou que já estivera lá outras vezes, sempre escolhendo um lado diferente, e sempre voltava ao início. Só faltava mais uma tentativa, dessa vez tinha que dar certo, a ultima tentativa de ser completo, de ser o suficiente para si mesmo e para quem amasse.
Bem no fundo sabia que nunca ia ser o bastante, sabia que ia sempre faltar-lhe algo. Sabia disso porque parecia ser o que lhe definia, foi assim das outras vezes porque mudaria agora? Nunca deixaria de ser ingênuo, mais uma vez ia acreditar e sonhar, para o bem ou para o mal, de qualquer jeito era o fim.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Distância

Ela estava ali, tão presente que ele podia senti-la no ar. Acreditava que se esticasse o braço e estendesse a mão podia tocá-la, mas tinha medo. Desejou que ela não existisse. Pela primeira vez na vida se lhe dessem a opção ficaria com a dúvida em vez da verdade.
Era uma das poucas coisas que temia em sua vida, pois sabia o efeito que tinha sobre as pessoas. Ele pôde vê-la afastar várias coisas que sempre amou, a especialidade dela sempre fora essa, separar, e ela nunca falhava nisso.
Aprendeu a temê-la, afinal era uma inimiga que nunca vencera, e ele odiava perder. E ao odiá-la só piorava tudo, porque ele sabia que não pode entender algo que se odeia.
Sua natureza falou mais alto, então resolveu abrir os olhos e enfim ver como ela era, mas para sua surpresa não era como ele achava, só viu uma superfície lisa à sua frente que à primeira vista parecia tão fina e frágil.
Aproximou-se e a tocou, pensava que podia atravessar aquela barreira que mais parecia uma cortina de água, mas se surpreendeu outra vez ao perceber que sua mão não podia atravessá-la, parecia que a superfície ficava mais resistente quando aumentava a pressão que fazia.
Podia ver o outro lado, podia ouvir quem estava lá, podia até a sentir os cheiros familiares que vinha através dela. Ficou confuso com tudo isso, queria não ter sentido nada, pensou que não sentiria nada enquanto ela estivesse entre ele e o que amava. Só de saber que havia algo lá já era torturante, mas poder ver, ouvir e sentir o que estava do outro lado tendo a certeza da presença dela ali era definitivamente mortificante.
Poucas vezes se sentira tão triste em sua vida, estava além da sua compreensão que algo aparentemente tão frágil pudesse tirar dele várias coisas que amara.

terça-feira, 5 de maio de 2009

A estrada

Ele sabia que era sua obrigação seguir aquela estrada, mas ao olhar para o caminho à sua frente se sentia desanimado. Não conseguia ver nenhum sinal de que estava perto de chegar ao fim, e já tinha caminhado tanto. Atravessara todo tipo de impedimento até ali, em muitos momentos tentou em vão outros caminhos e trilhas que às vezes apareciam, mas sempre acabava voltando para aquela estrada em particular.
No começo achava que seria fácil trilhar o caminho, pois caminhava por um gramado verde e macio, mas aos poucos a paisagem foi mudando, primeiro em um planalto pedregoso, depois em uma muralha de montanhas que foi seguida por um conjunto de precipícios, e a estrada continuou mudando, todo dia ela se transformava em algo diferente.
Caminhou, escalou e nadou. E a cada vez que a paisagem mudava pensava que seria pela última vez, mas sempre estava errado.
Aquela estrada parecia seguir eternamente, testando-o a cada curva. Sem nunca se perder, ele só podia continuar e desejar que a viagem valesse a pena quando descobrisse o que havia no final.
Mas ele estava tão exausto. Exausto de não conseguir mudar de caminho, exausto de tantos testes, exausto da dúvida que crescia a cada dia em sua mente. No início não a percebeu, ficava bem escondida esperando o momento certo, mas agora ela constantemente colocava a prova sua vontade cada vez que ele parava para descansar.
Seu pai sempre lhe dizia que ninguém podia fugir das obrigações a que foi incumbido, mas isso era tudo que desejava. Sabia que isso não era possível, então ele desejou, que se não conseguisse concluir sua viagem, que pelo menos o caminho voltasse a ser aquele campo com grama verde e macia, levemente úmida.
Ele sabia que isso também não era possível.