domingo, 22 de março de 2009

A rua, a chuva e o muro

”Daqui a pouco vai chover”, ele pensou enquanto caminhava para casa. Caminhava em uma rua pouco iluminada e aparentemente deserta, parecia estar perdido pra quem o observasse. Mas não estava, essa noite ele só queria vagar sem rumo, só desejava parar de pensar por um segundo, respirar e caminhar era o que ele queria fazer, fingir que isso era a coisa mais importante a se fazer.
Mas como estava tentando não pensar, acabou por não perceber que entrara em uma avenida mais movimentada. Era tarde, mas havia muitas pessoas caminhando pelas calçadas, elas esbarravam nele e continuavam a caminhar como se não o tivessem percebido. Havia um engarrafamento enorme, algum tipo de acidente tinha acontecido mais a frente, alguns motoristas desceram dos seus carros cansados de esperar e reclamavam uns com os outros, enquanto outros iam ver as pessoas que sangravam no asfalto.
Ele viu meninas vestidas e maquiadas como se fossem mulheres adultas, viu meninos conversando como se fossem adultos, falando de sexo e bebidas que experimentaram. Viu mulheres mais velhas fingindo ser garotinhas, e homens adultos procurando garotinhas.
O cheiro dessa rua era uma mistura de suor com perfume, que ao mesmo tempo gostava e o repugnava. Continuou caminhando, mas decidiu ficar mais atento. Pôde ver através das vidraças dos prédios que milhares de pessoas se aglomeravam na frente de computadores, ouviu o que parecia ser música, mas eram tantos instrumentos sendo tocados ao mesmo tempo, e mesmo assim nenhum deles tocava a mesma música, era uma cacofonia de sons absurdos.
Em uma academia viu mulheres, todas de cabelo loiro e corpos esqueléticos, correndo em esteiras, do outro lado da rua, em um bar, todos que estavam lá começaram a fazer sexo, nas mais bizarras combinações. Ele teve a impressão que todos estavam desesperados, parecia que estavam fazendo a última coisa que podiam antes de morrer de forma fulminante.
Viu uma mãe abandonar o filho depois que um carro elegante parou e abriu a porta. Um pai que esmurrava a filha e a esposa ali mesmo na calçada. Em uma praça tinha pequenos grupos que estavam visivelmente uniformizados, pois em cada grupo os integrantes se vestiam da mesma forma, e de repente todos eles começaram a brigar uns com os outros.
Ouviu tiros vindo do meio da briga dos motoristas, e de repente tudo pareceu se acelerar, as pessoas caminhavam mais rápido, digitavam mais rápido, transavam como loucas. As brigas ficaram mais violentas, as mulheres esqueléticas correram tanto que morreram ali mesmo, mas mesmo assim não pararam de correr, as meninas-mulher e os meninos-homem de repente se tornaram adultos e também começaram a transar ali mesmo na rua, as meninas engravidaram, algumas abortaram, outras não. As crianças nasceram e pessoas morreram em meio aquilo, e tudo foi ficando cada vez mais rápido até que finalmente choveu.
A chuva não caia em gotas e sim em torrentes que de tão fortes, derrubava as pessoas, logo começou a inundar tudo, ele correu para se salvar. Conseguiu chegar ao fim da rua, onde só tinha um muro alto no qual ele se agarrou e escalou, de cima do muro ele viu todas as pessoas serem arrastadas por uma forte correnteza, todas juntas, era um rio de gente, mal se podia ver a água e mesmo assim as pessoas tentavam continuar a fazer o que estavam fazendo antes da chuva. Tudo isso pareceu tão absurdo e ao mesmo tempo tão familiar.

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