sexta-feira, 5 de junho de 2009

O Chamado, Final

Não tinha idéia de quanto tempo dormira, mas sabia que nunca dormira por tanto tempo. Fora um sono escuro sem sonhos, um sono pesado de qual acordara sentindo as pequenas gotas da chuva fraca que caía. Sentia-se estranho, parecia que tinha dormido várias horas e agora acordava de um longo sonho, então se sentou tentando sair da letargia que o envolvia. Nada de música. Olhou para a garrafa de vinho e a viu vazia. Vazia como seu coração estava. Não lembrava de ter bebido tanto.

“Quanto tempo eu dormi?”, perguntou a si mesmo. A chuva fina tocava-lhe a pele de forma carinhosa, gostou tanto da sensação que fechou os olhos e se concentrou no que ouvia e sentia. Suas costas doíam, levantou lentamente para não piorar a dor e caminhou até a beirada novamente. Fez isso tão instintivamente que parecia estar programado para ver o que viu.

Não era o mesmo lugar que vira a pouco tempo atrás, era familiar, mas não era o mesmo lugar. Viu casas vazias velhas e decrépitas, onde antes moravam seus vizinhos. A rua esburacada e abandonada lhe oprimia. Só o poste a frente da sua casa ainda funcionava, todo o resto estava escuro como o céu sem estrelas.

Quase desmaiou com o peso do que vira e lembrara. Muito tempo se passara, mais tempo do que um sonho pode durar. Olhou para suas mão e viu dedos nodosos e a pele enrugada. Sabia o que acontecera.

Lembrou da noite em que aprendera a dizer não aos chamados. Aquela fora a primeira vez, a vez que transformou o seu coração, e cegou seus olhos e vedou os seus ouvidos. Desde lá, não conseguia mais ouvir, ver ou sentir quando lhe chamavam, quando necessitavam dele, e o tempo passou e o levou consigo rápido e feroz. Ele tomara as rédias de sua vida e o levou embora. Abandonando-o aqui para ver no que se tornara. Pois só o tempo se moveu, ele ficara no mesmo lugar.

Repetira tantas vezes não para ela, incontáveis vezes enquanto dormia. E não só para ela. Dissera não a tudo e a todos que tentaram tirá-lo do seu longo e merecido sono. Nenhum chamado o despertou, só agora, quando a noite cansada de ser ignorada por ele, resolveu acordá-lo e como nas outras vezes ele respondera. Sentou novamente naquela beirada, e lá ficou com a chuva a lhe confortar na solidão do seu silêncio, não tinha mais músicas em sua memória, não conseguia lembra de nenhuma e não era mais capaz de ouvir nenhuma. E depois de tantos anos, chorou junto com a chuva e ao lado da única que nunca o deixou, sua eterna amiga, a noite.

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